Como citar / Citation: Gonet Branco, P. G. (2020). Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro em 2019. Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, 24(2), 545-‍558. doi: https://doi.org/10.18042/cepc/aijc.24.18

SUMARIO

  1. I. SAÚDE, MEIO AMBIENTE, FEDERALISMO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – AMIANTO: MÚLTIPLOS PLANOS DE INTERESSES JURÍDICOS
    1. 1. A competência legislativa concorrente no Brasil e suas dificuldades invencíveis
    2. 2. Caso de inconstitucionalidade superveniente
    3. 3. Inconstitucionalidade da lei federal e abertura de espaço legislativo para os Estados
    4. 4. Novamente o tema da abstrativização do controle incidental
  2. II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: PECULIARIDADE DE UM ESTADO FEDERAL
  3. III. LIBERDADE DE PROFISSÃO E DIREITO A LIVRE INICIATIVA NUM REGIME DE LIBERDADE DE CONCORRÊNCIA EM ECONOMIA DE MERCADO – TRANSPORTE INDIVIDUAL PRIVADO POR APLICATIVO – UBER, CABIFY, 99
  4. IV. OUTRAS DECISÕES ENVOLVENDO DIREITOS FUNDAMENTAIS – BREVE REVISÃO
  5. V. CONCLUSÃO
  6. NOTAS

O ano de 2019 terminou sem que o Brasil sentisse as agruras da pandemia provocada pelo novo coronavírus. Tínhamos notícias do que acontecia na China, mas não podíamos imaginar os tumultos que o ano de 2020 reservariam para o mundo e para o país. De certa forma, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) se preparava para o que haveria de ser uma guinada revolucionária em soluções de informática no Judiciário.

Em 2019 prosseguiu o avanço célere para a digitalização de todos os processos perante a Suprema Corte —, e, de modo geral, perante todas as instâncias judiciárias. Alargou-se também o volume de processos que deixaram de ser julgados em sessões presenciais, para serem postos à discussão em sessões virtuais, com duração de alguns dias, que reduziram consideravelmente a pauta do Plenário e das Turmas físicos. Expressivos 17.735 processos foram julgados por meio virtual, de uma descomunal cifra de 115.883 decisões, colegiadas ou não, durante o ano —número reduzido em mais de 10 mil unidades, se 2019 for comparado com o ano anterior. Essas grandezas tangenciam o inacreditável, considerando-se que são onze os ministros do Supremo Tribunal, mas o estupor deve ser reduzido ante a consideração de que a vasta maioria desses casos envolve juízo de reiteração de jurisprudência do Tribunal ou apreciação técnica sobre o descabimento de recursos dirigidos à Corte. Ainda assim, os algarismos são impactantes. Só nas ações mais delicadas de controle abstrato, em 2019, o Tribunal recebeu 396 processos e julgou outros 510, reduzindo o estoque de ações cumuladas no passado. Em 195 desses casos, houve acolhida, total ou parcial, da ação proposta de fiscalização em tese de constitucionalidade de lei ou de ato normativo federal ou estadual.

Embora as entidades e autoridades legitimadas para propor ação direta de controle de constitucionalidade contêm-se, na prática, na casa das centenas de personagens, o Chefe do Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, segue sendo quem mais ajuíza demandas dessa sorte.

Uma importante competência desenvolvida pelo STF diz respeito à apreciação de habeas corpus, quer originário, quer em grau de recurso. Em 2019, houve um número recorde de habeas corpus concedidos pela Corte; foram 923 as ordens parcial ou totalmente deferidas (de um total de 26.013 habeas corpus e recursos em habeas corpus baixados no ano).

De toda sorte, a maior parte dos processos que chegou ao Tribunal em 2019 ajusta-se à etiqueta de Direito Administrativo (32,7%). Efetivamente, são copiosas as ações e recursos que giram em torno de direitos de servidores públicos e sobre organização e limites do Poder Público  circunstância favorecida pela fartura de dispositivos constitucionais versando aspectos diversos do regime jurídico daqueles agentes, bem como sobre estrutura e gestão da Administração Pública nas esferas da União, dos Estados-membro e dos Municípios. Outro tema muito frequente foi o de Direito Tributário, responsável por 11,2% dos casos que aportaram à Corte.

Pode-se perceber que a vasta maioria dos assuntos enfrentados pelo Tribunal terá apelo reduzido para o público externo, acaso mais interessado em verificar como certos problemas compartilhados são debatidos em Supremas Cortes de diversos países. A seleção de casos a seguir tenta obedecer a esse critério de apresentação.

I. SAÚDE, MEIO AMBIENTE, FEDERALISMO E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – AMIANTO: MÚLTIPLOS PLANOS DE INTERESSES JURÍDICOS[Subir]

Em 1995, tinha-se noção de que o mineral amianto crisotila poderia ser nocivo à saúde. Isso levou o legislador federal a editar, nesse mesmo ano, a Lei nº 9.055, que não proibia o manejo e uso em bens que contivessem esse produto, mas impunha controle restritivo à sua utilização. À época, não havia tampouco produtos qualificados para substituir o amianto, que era muito empregado na fabricação, por exemplo, de telhas de casas populares. Não obstante, em 2001, o Estado do Mato Grosso do Sul, por meio de lei local, proibiu a fabricação, a comercialização e a estocagem tanto do amianto como de produtos que o tivessem por base. O Governador do Estado de Goiás, unidade da Federação com intensa importância na extração e industrialização do minério, ajuizou, em seguida, ação direta de inconstitucionalidade contra o diploma do Estado vizinho, por invasão de competência legislativa da União.

1. A competência legislativa concorrente no Brasil e suas dificuldades invencíveis[Subir]

A Federação no Brasil adota um sistema misto de repartição de competências legislativas entre as ordens parciais da União e dos Estados-membros. Há competências que são privativas de uma ou de outra das esferas da Federação. Um grupo de atribuições, porém, são cumuladas pela União e pelos Estados-membros, as chamadas competências concorrentes. Entre elas, incluem-se as de dispor sobre produção e consumo, sobre proteção do meio ambiente e proteção e defesa da saúde.

Essa cumulação de competências se faz de forma verticalizada, porquanto responde a uma subdivisão interna. As competências concorrentes, apesar de pertencerem aos campos legislativos locais e central, não se sobrepõem. O constituinte dispõe que, nesse âmbito, «a competência da União limitar-se-á estabelecer normas gerais» (art. 24, § 1º, da Constituição da República). Os Estados-membros legislam em caráter suplementar, dispondo sobre normas especiais, em função das suas peculiaridades regionais (art. 24, §2º). Na falta de toda regulação da União, os Estados-membros dispõem, enquanto a legislação nacional não é editada, de competência plena (art. 24, §§ 3º e 4º).

Está visto que, se a União dispõe sobre minúcias em torno de alguns dos assuntos de competência concorrente, estará invadindo competência dos Estados e, nisso, incorre em inconstitucionalidade. Da mesma forma, será inconstitucional a lei estadual que desavir de princípios declinados em lei federal. Esse quadro de situações é retratado na jurisprudência corrente do STF

A mero titulo exemplificativo: «Os Estados-membros e o Distrito Federal não podem, mediante legislação autônoma, agindo ultra vires, transgredir a legislação fundamental ou de princípios que a União Federal fez editar no desempenho legítimo de sua competência constitucional, e de cujo exercício deriva o poder de fixar, validamente, diretrizes e bases gerais pertinentes a determinada matéria […]. – É inconstitucional lei complementar estadual, que […] não observa as normas de caráter geral, institutivas da legislação fundamental ou de princípios, prévia e validamente estipuladas em lei complementar nacional que a União Federal fez editar com apoio no legítimo exercício de sua competência concorrente» (ADI 2903/PB, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 01.12.2005, DJe 18.9.2008).

«[…] A Constituição de 1988 contemplou, em seu artigo 24, a técnica da competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros especificá-las. O descumprimento desse comando constitucional conduz à usurpação de competência, que tanto pode ser da União —quando extrapola os poderes que lhe foram deferidos para estabelecer preceitos gerais— quanto dos Estados-membros —quando, existindo ato legislativo genérico, editam lei invasora. […]» (ADI 1.245/RS, Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, julgamento em 06.4.2005, DJ 26.8.2005.

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O grande problema, que se acha sem solução, é o de definir quando se está diante de uma norma geral ou de norma especial, já que a generalidade é apanágio da norma jurídica por si mesma.

Nem a jurisprudência, nem a doutrina lograram distinguir, com base em metodologia precisa, uma da outra norma. A busca por uma chave hermenêutica, aqui, redunda em inevitável frustração. Quando muito, obtêm-se distinções tautológicas, com maior ou menor apelo a categorias taxonômicas de maior ou menor pretensão intelectual, mas de escassa ou nenhuma serventia prática efetiva. Não há como lhes descobrir uma diferença de essência. A relatora da ADI 3470 (DJe 1.2.2019) não hesitou mesmo em comparar a dificuldade em estremar norma geral de norma especial, no contexto das competências concorrentes, com as perplexidades de Santo Agostinho com o tempo e do Juiz Potter Stewart, da Suprema Corte americana, ao se deparar com a necessidade de conceituar pornografia. Concluiu que, «se o conceito de normas gerais parece ser ainda mais elusivo do que são o tempo e a pornografia, o rastreamento da sua gênese sugere que a imprecisão é provavelmente intencional». Do correr do seu raciocínio, deduz-se que o propósito dessa imprecisão seria apenas o de indicar que «a previsão da competência da União para editar normas com o predicado de gerais, em matéria de competência concorrente, envolve, necessariamente, algum limite à atuação legislativa da União».

Como quer que seja, se o intuito foi o de gerar vagueza, não há dúvida de que o alvo foi atingido, abrindo margem para variações de jurisprudência sem o conforto intelectual dos argumentos estritamente técnicos. Como quer que seja, o Tribunal vem-se mostrando constante em fulminar de inconstitucionalidade diplomas estaduais que permitem o que a lei federal proíbe ou que proíbem o que a lei federal admite mediante cautelas singulares

Não se admite ao Estado-membro «inaugurar uma regulamentação paralela e explicitamente contraposta à legislação federal vigente» (ADI 3.645/PR, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgamento em 31.5.2006, DJ 01.9.2006).

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. Esta última hipótese foi exemplificada no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade movida contra a lei do Estado do Mato Grosso do Sul de 2001, acima referida. Dois anos depois do advento do diploma, em 8.5.2003, o STF declarou a inconstitucionalidade da lei atacada (ADI 2.396/MS). O Tribunal afirmou não deter competência técnica para se posicionar na polêmica então existente sobre os efeitos do amianto sobre a saúde e concluiu que «a legislação impugnada foge, e muito, do que corresponde à legislação suplementar, da qual se espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal, não que venha a dispor em diametral objeção a esta».

Em 2019, enfim, foram publicados acórdãos em que o tema do amianto e da sua proibição por leis estaduais tornou a provocar o STF, gerando os acórdãos na ADI 3.937 (DJe 1.2.2019) e na ADI 3470 (DJe 1.2.2019). A solução foi diversa da adotada no acórdão proferido dezesseis anos antes, com fundamentos de inequívoco interesse.

2. Caso de inconstitucionalidade superveniente[Subir]

Na ADI 3.937, desenvolveu-se o raciocínio de que já não mais existiam, hoje, as incertezas científicas que haviam conduzido, anos antes, o Tribunal a não avaliar com detimento a situação de fato regulada pela lei federal que dispunha sobre o amianto. Para o Tribunal, em 1995, se havia notícia do potencial nocivo do produto, tanto para a saúde como para o meio-ambiente, «atualmente o que se observa é um consenso dos órgãos nacionais e internacionais que detêm autoridade no tema da saúde em geral e da saúde do trabalhador em torno da natureza altamente cancerígena do mineral e da inviabilidade de seu uso de forma efetivamente segura». A Corte também assinalou que, diferentemente do que ocorria na década de 1990, «atualmente existem materiais alternativos, recomendados pelo Ministério da Saúde». Assim, afirmou-se que a Lei federal n. 9.055/95 «deveria ter sido revista para banir progressivamente a utilização do asbesto na variedade crisotila e promover um ajuste ao consenso atual em torno dos riscos envolvidos na utilização desse material». Para o Tribunal, a «norma federal que autoriza a extração, a industrialização, a utilização e a comercialização do amianto da variedade crisotila passou por processo de inconstitucionalização, em razão de alteração nas relações fáticas subjacentes à norma jurídica».

Nesse tópico, a decisão expôs um exemplo nem sempre frequente de inconstitucionalidade superveniente de norma. A jurisprudência brasileira, desde logo em seguida à entrada em vigor da Constituição de 1988, se recusou a ver o conflito de lei anterior à Constituição com a nova Carta como caso de inconstitucionalidade superveniente, preferindo enxergar, aí, hipótese não recepção, assimilada à revogação. Esse entendimento, sobretudo à época em que formulado, aliviou o STF de uma temida avalancha de ações diretas de inconstitucionalidade envolvendo diplomas do período anterior à formalização do Estado democrático de Direito proclamado em 1988. Aos poucos, entretanto, foi encontrando acolhida a ideia de que o fenômeno da inconstitucionalidade superveniente era possível de ser flagrado, essencialmente nos casos em que a norma se tornava inconstitucional, justamente por alterações significativas na situação fática determinantes da sua edição —o que implicava reflexos necessários sobre a fixação do momento da invalidade da norma, que não mais haveria de coincidir com o seu nascedouro. O caso do amianto desvelou exemplo eloquente do fenômeno pouco comum. O Tribunal não desceu, porém, ao pormenor de verificar se, ao tempo da edição das leis estaduais que eram objeto das ações diretas de inconstitucionalidade, a inconstitucionalidade da lei federal já estava caracterizada, o que parece haver sido presumido.

3. Inconstitucionalidade da lei federal e abertura de espaço legislativo para os Estados[Subir]

Sendo inconstitucional o diploma federal, a consequência no plano da distribuição de competências legislativas favorecia as leis estaduais, todas elas proibindo, sem exceção, o amianto. No espaço das competências concorrentes, o Estado-membro torna-se apto para legislar amplamente, até mesmo sobre «normas gerais», se a União não se vale da sua competência para dispor sobre normas de princípios. Uma vez que a lei federal fora declarada inconstitucional, não havia mais cogitar de regulação da União a impedir o exercício da competência plena dos Estados-membros; portanto, não mais existia o obstáculo que fora relevante em 2003 contra a lei estadual (do Mato Grosso do Sul) proibitória do amianto. As normas estaduais que vetavam totalmente o amianto não invadiam o bloqueio de competência que haveria se a lei federal de 1995 fosse válida. As leis estaduais se beneficiavam do dispositivo da Constituição Federal em que se prevê: «inexistindo lei federal sobre normas gerais, os estados exercerão competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades».

4. Novamente o tema da abstrativização do controle incidental[Subir]

No julgamento, o STF julgou inconstitucional a lei federal de 1995, que não era objeto da ação direta de inconstitucionalidade. Houve, pois, declaração incidental de inconstitucionalidade da lei federal na ação de controle em tese.

Essa particularidade, também inusitada na jurisprudência, que normalmente resolve conflitos diretos de normas infraconstitucionais com norma da Constituição, terminou por reacender um outro debate.

No julgamento da ADI 3470, suscitou-se a questão de saber qual o efeito da declaração incidental proferida.

Questão semelhante não é corriqueira em outros sistemas de jurisdição constitucional concentrada, mas gera perplexidades no Brasil, justamente porque adotamos tanto o modelo difuso (para declarações incidentais) como o concentrado (para declarações em tese). Na visão clássica, quando o STF declara a inconstitucionalidade incidentalmente, essa proclamação não produz efeitos para além do processo em que foi proferida. A Constituição prevê, em casos tais, que o Senado seja notificado da deliberação, a fim de eventualmente se valer do seu poder discricionário de suspender a execução da lei (art. 52, X, da CF), com o que a decisão se estende para todos.

Essa interpretação tradicional da função do Senado tem motivado disceptação entre os integrantes do Supremo Tribunal, ouvindo-se vozes autorizadas sustentando que, hoje, todas as decisões do STF possuem efeitos erga omnes, quando tratam de controle de constitucionalidade de leis. A ADI 3470 propiciou o retorno ao debate sobre a unificação dos efeitos de todas as declarações de inconstitucionalidade proferidas pelo STF, a partir de um juízo sobre uma cogitada mutação constitucional operada em torno da competência do Senado, que, estaria agora limitada a dar notícia do julgado do Supremo Tribunal.

Apontou-se que uma série de mudanças jurisprudenciais, legislativas e constitucionais levaram à situação atual, em que se teria tornado possível afirmar que todas as decisões do STF de declaração de inconstitucionalidade, quer proferidas incidentalmente, quer em tese, teriam os mesmos efeitos erga omnes e força vinculante para o Executivo e os demais órgãos do Judiciário.

Nessa linha, há tempos que a jurisprudência da Corte já assentara ponto destoante do padrão do exercício do controle in casu, ao afirmar que, em casos assim, uma vez suscitada a questão constitucional, mesmo que ela não seja de enfrentamento necessário para a solução do caso concreto, o STF deve deslindar o problema. A justificativa é a de que, sendo a Corte a guardiã da Constituição, por mandato expresso do constituinte, não pode deixar de protegê-la sempre que desafiada. A legislação processual civil, da mesma forma, também possui preceito comandando os tribunais inferiores a adotar a solução que o Plenário do STF houver adotado para juízo sobre a constitucionalidade de determinada lei, mesmo que a decisão haja sido proferida em controle no caso concreto.

Em votos na ADI 3470 foram agregados outros fundamentos. Lembrou-se que o Tribunal está legitimado a modular os efeitos de declaração de inconstitucionalidade de lei também quando proferida em caso concreto. Essa modulação somente faz sentido se se compreender que a decisão tomada no processo específico valerá para outros casos.

Recordou-se que um dos instrumentos mais frequentes no STF é o recurso extraordinário. Esse recurso, que é interposto num caso concreto, por força de dispositivo constitucional instituído em 2004, somente é admissível se nele se revelar um interesse que sobreleve o das partes. É necessário que o recorrente cumpra o requisito de demonstrar que a tese discutida possui «repercussão geral». Trata-se de condição de admissibilidade do recurso. A solução que o Supremo Tribunal der ao tema será impositiva para a Administração e para o Judiciário. Confere-se, assim, feitio de controle de contornos abstratos a instrumento de controle incidental.

Da mesma forma, no início do milênio, permitiu-se que o Supremo Tribunal Federal formulasse Súmulas Vinculantes, que cristalizam máximas de julgamentos em torno de temas constitucionais, extraídas de julgados em casos concretos, que tenham importância prática para resolver conflitos ainda pendentes na sociedade e no Judiciário. Essas súmulas se impõem, do mesmo modo, às Administrações Públicas de todas as esferas da Federação e ao Judiciário. Trata-se, evidentemente, de mais uma medida do constituinte de reforma em prol do reconhecimento de efeitos erga omnes e vinculantes a decisões incidentais sobre constitucionalidade de normas.

Recordou-se, por fim, que o Código de Processo Civil vigente, de 2015, concede especial força aos precedentes dos tribunais superiores e também permite que se resista ao cumprimento e à execução de sentença transitada em julgado, por meio de defesa que aponte haver a sentença se apoiado em lei que o STF declarou inconstitucional, quer em tese, quer in casu, ou quando a sentença afirmou inconstitucional lei que o STF, também por qualquer dos meios para tanto, haja declarado válida. Num dos votos da ADI 3.470 se ensinou a esse respeito: «qualquer um dos controles é suficiente para que a parte possa se escusar de cumprir uma sentença inconstitucional», concluindo que «não há mais diferença entre controle incidental e controle principal».

Houve alguma resistência à tese no julgamento. No resumo oficial do julgado constou, porém estes dizeres: «ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente, com declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 9.055/1995 a que se atribui efeitos vinculante e erga omnes».

Como se vê, em um par de casos foram abordados temas de subido interesse a propósito de vários tópicos de Direito Constitucional.

II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: PECULIARIDADE DE UM ESTADO FEDERAL[Subir]

O controle de constitucionalidade num Estado federal, quando se apresenta na modalidade concentrada, de controle em tese, pode suscitar questões com singularidades dignas de nota.

No sistema federalista brasileiro, a par da Constituição da República, cada Estado se vê regido também por uma Constituição estadual, votada pela Assembleia Legislativa, por determinação do constituinte originário, que preestabelece certos princípios e regras de absorção necessária pelos Estados-membros. Por exemplo, as disposições da Constituição da República que disciplinam a separação de poderes e que desenham o modelo de regime democrático adotado devem ser tidas como incorporadas pelo Direito Constitucional dos Estados. A Constituição do Estado ao disciplinar esses temas não pode fugir da solução adotada pelo constituinte federal. Com relação a outros temas, especialmente de organização interna, não havendo obrigação expressa do constituinte federal em contrário, o Estado é livre para repetir a norma da Constituição Federal ou para adotar solução diversa.

O constituinte de 1988 cuidou também de permitir que a Constituição estadual seja defendida por ação direta contra lei ou ato normativo estadual ou municipal que a agrida. Num paralelo com o STF, entregou ao Tribunal de Justiça do Estado a competência para julgar representações por inconstitucionalidade dessas normas.

Desde logo, a jurisprudência do STF e a doutrina deixaram claro que essa competência dos Tribunais de Justiça somente se exerce quando o parâmetro de controle é a Constituição estadual. Por isso, se a representação estadual alega que a lei impugnada fere a Constituição Federal, o Tribunal de Justiça não deve conhecer da demanda, sob pena de usurpar a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal para, em controle abstrato, resguardar a autoridade da Constituição Federal —nesse caso, o sistema adotado é concentrado.

Como esperado, logo surgiram questões melindrosas. Que aconteceria se a Constituição estadual houvesse reproduzido a literalidade de norma da Constituição Federal e surgisse uma representação por inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça? Seria ele competente para julgar a demanda? Mais ainda, e se contra a mesma lei houvesse uma representação por inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça, por ofensa à norma que copia o preceito da Constituição Federal, e no Supremo Tribunal Federal também corresse uma ação direta de inconstitucionalidade contra a mesma lei estadual, por ofensa justamente a essa norma da Constituição Federal?

Em 1993, a questão foi solucionada (Rcl 383, DJ 21.5.1993). Afirmou-se que a norma da Constituição estadual que reproduz, mesmo que necessariamente, a norma da Constituição Federal é norma jurídica e norma jurídica estadual. Por isso, pode ser protegida pelo mecanismo de controle abstrato perante o Tribunal de Justiça. A decisão do Tribunal de Justiça, se disser respeito a norma de reprodução obrigatória da Constituição Federal, não poderá divergir da interpretação que o STF der ao preceito da CF, justamente porque a norma tem que ser igual no plano federal e no plano estadual. Se houver discrepância, caberá recurso extraordinário contra a decisão do Tribunal de Justiça para o Supremo Tribunal Federal. Se ninguém recorrer, e a lei houver sido declarada válida, isso não impedirá que o STF venha, a mais adiante, declará-la inconstitucional. Disse o acórdão, porém, que, se o Tribunal de Justiça houver declarado a lei estadual inconstitucional e não houver recurso, a lei sairá do ordenamento jurídico e não haverá objeto para uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada posteriormente ao Supremo Tribunal Federal. A decisão de invalidade seria insuscetível de revisão.

Outro ponto que foi abordado no passado envolve a situação em que houve ajuizamento tanto de representação por inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça como ação direta de inconstitucionalidade no STF. Nesses casos (cf. entre outros a ADI 1423 MC, DJ 22/11/1996) a ação direta no Estado-membro deve ser paralisada, à espera da solução a ser dada pelo Supremo Tribunal Federal na ação direta de inconstitucionalidade. A decisão de mérito do Supremo Tribunal prejudica a continuidade da demanda no Tribunal de Justiça, a não ser que, na Corte estadual, a ação direta esteja «baseada em outros fundamentos, além da alegação de ofensa de norma reproduzida», prosseguindo então «por esses outros fundamentos» (Rcl 425 AgR, DJ de 22/10/1993).

Na ADI 3.659 (DJe 8.5.2019), solucionou-se situação de dúvida que, até então, nunca havia sido posta ao descortino direto do Tribunal. A Corte estava diante de arguição de inconstitucionalidade em tese contra uma lei estadual que havia sido simultaneamente objeto de representação por inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça do Estado. Ocorre que o Tribunal de Justiça não suspendera o julgamento do processo, que foi julgado no mérito, com a afirmação da inconstitucionalidade da lei. A decisão já havia transitado em julgado, quando a ação direta de inconstitucionalidade foi levada para o julgamento do Supremo Tribunal Federal.

O STF resolveu o problema a partir da premissa de que a Constituição Federal a ele entrega o papel de seu guardião (art. 102) e da sentida necessidade, daí também deduzida, de se reservar máxima efetividade a esse papel institucional. Chegou-se, então, a conclusão algo diferente da que fora cogitada pelo Tribunal na década de 1990 e na seguinte. Afirmou-se que:

A solução que se mostra adequada para superar o impasse envolve o plano da eficácia da decisão da Corte Estadual. Não se contesta, aqui, a existência, a validade e mesmo a eficácia erga omnes de decisão de mérito em ação de controle concentrado proferida pelas Cortes Estaduais. Todavia, quando essa decisão fizer juízo sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de norma estadual em face de preceito da Constituição do Estado que constitua reprodução (obrigatória ou não) de preceito da Constituição Federal, há de se entender que, em nome da posição de supremacia da Suprema Corte, a eficácia da decisão estadual ficará necessariamente revestida de uma condição resolutória implícita, representada por eventual decisão em sentido contrário do Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, ficou estabelecido que, tenha o Tribunal de Justiça se antecipado ao Supremo Tribunal Federal no julgamento de representação por inconstitucionalidade ajuizada simultaneamente com ação direta de inconstitucionalidade no STF, ou só tenha havido representação perante o Tribunal de Justiça, se a norma parâmetro de controle for dispositivo de teor idêntico ao da Constituição Federal (por imitação voluntária ou necessária), a mesma questão poderá ser reaberta, a qualquer tempo, perante a Suprema Corte em Brasília.

Houve uma sutil evolução de entendimento que se supunha acomodado, em linha com tendência verificada de se conferir máxima efetividade às competências do Supremo Tribunal Federal dedutíveis da sua condição de guardião da Constituição.

III. LIBERDADE DE PROFISSÃO E DIREITO A LIVRE INICIATIVA NUM REGIME DE LIBERDADE DE CONCORRÊNCIA EM ECONOMIA DE MERCADO – TRANSPORTE INDIVIDUAL PRIVADO POR APLICATIVO – UBER, CABIFY, 99[Subir]

No julgamento da ADPF 449 (DJe 2.9.2019) duas questões processuais importantes foram abordadas. O Tribunal desenvolveu também relevantes considerações sobre a liberdade de profissão e ponderação entre livre iniciativa e poder regulamentar do Estado numa economia de mercado, tida como assumida pela ordem constitucional.

A primeira questão processual diz respeito ao caráter subsidiário que a lei atribui ao instrumento de controle de constitucionalidade da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Esse caráter subsidiário vem sendo compreendido como atendido se não houver outro modo de controle abstrato da norma impugnada. Com relação a leis municipais o controle abstrato somente se viabiliza no Supremo Tribunal Federal se a elas se imputa a violência a preceito capital da Constituição, por meio da ADPF. Essas leis municipais, porém, de ordinário, estão sujeitas ao controle em tese perante a Constituição do Estado. O precedente em apreço descartou que essa circunstância possa afetar o caráter subsidiário da ADPF. O cabimento do controle deve ser aferido tendo em vista a competência originária do STF. Daí se haver dito que «a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é cabível em face de lei municipal, adotando-se como parâmetro de controle preceito fundamental contido na Carta da República, ainda que também cabível em tese o controle à luz da Constituição Estadual perante o Tribunal de Justiça competente».

Por outro lado, quando a ação foi levada a julgamento, a lei municipal, submetida ao controle, fora revogada. Isso não obstante, não se considerou que havia perda de objeto da demanda, à vista de argumentos não usuais em outros instrumentos de controle abstrato. A Corte afirmou que «a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental não carece de interesse de agir em razão da revogação da norma objeto de controle, máxime ante a necessidade de fixar o regime aplicável às relações juídicas estabelecidas durante a vigência da lei, bem como no que diz respeito a leis de idêntico teor aprovadas em outros Municípios».

Quanto ao mérito, cuidava-se de aferir a constitucionalidade de lei municipal que proibira o serviço de transporte privado de passageiros por chamada intermediada por aplicativo de internet —serviços prestados por empresas no Brasil como a Uber, Cabify e 99. A lei vedara esse serviço, levando em contra que o serviço de transporte individual de passageiros é regulamentado pela Administração Pública e submetido a regime de permissão, desenvolvido por taxistas.

O Tribunal considerou que a regulação desses serviços pela Administração Pública encontrava justificativa em preocupações com interesse dos passageiros (segurança e prevenção de abusos em preços) e do público em geral (redução de veículos no trânsito, com consequências na mobilidade geral e sobre a poluição), mas que a tecnologia tornou em grande medida esses propósitos anacrônicos. O regime fechado dos taxistas estaria mais próximo hoje de uma reserva de mercado de duvidoso benefício para o público em geral. A tecnologia teria tornado o sistema de chamada por telefone celular ainda mais favorável à causa da redução de veículos nas ruas do que o próprio sistema de táxis. O acompanhamento das corridas pelo passageiro e por quem mais ele desejar, além da prévia descrição da rota a ser seguida e do preço estimado e da possibilidade de o passageiro relatar condições de segurança da viagem, tudo isso serviria com ainda mais apuro para a causa da segurança do passageiro e da prevenção de abusos. Com considerações nessa linha, o Tribunal estimou que a proibição dos aplicativos estabelece «restrição desproporcional à livre iniciativa e à liberdade profissional». Lê-se no acórdão:

O sistema constitucional de proteção de liberdades goza de prevalência prima facie, devendo eventuais restrições ser informadas por um parâmetro constitucionalmente legítimo e adequar-se ao teste da proporcionalidade, exigindo-se ônus de justificação regulatória baseado em elementos empíricos que demonstrem o atendimento dos requisitos para a intervenção.

A norma que proíbe o «uso de carros particulares cadastrados ou não em aplicativos, para o transporte remunerado individual de pessoas» configura limitação desproporcional às liberdades de iniciativa (art. 1o, IV, e 170 da CRFB) e de profissão (art. 5o, XIII, da CRFB), a qual provoca restrição oligopolística do mercado em benefício de certo grupo e em detrimento da coletividade. Ademais, a análise empírica demonstra que os serviços de transporte privado por meio de aplicativos não diminuíram o mercado de atuação dos táxis.

IV. OUTRAS DECISÕES ENVOLVENDO DIREITOS FUNDAMENTAIS – BREVE REVISÃO[Subir]

Várias outras decisões de interesse foram registradas em 2019, cabendo uma breve referência a algumas delas.

No RE 888.815 (DJe 21.3.2019), foi decidido que não existe um direito subjetivo, diretamente colhido da Constituição, que gere pretensão a aluno ou a sua família de se submeter a regime escolar, no âmbito da educação básica obrigatória, em sistema domiciliar (homeschooling). Afirmou-se que a Constituição tampouco impede que o legislador federal venha a criar esse sistema, que deverá, então, observar o caráter compulsório do ensino dos 4 aos 17 anos de idade, o núcleo básico das matérias acadêmicas, a supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público —que deve ocupar-se de também impusionar o propósito constitucional de o ensino «garantir a socialização do indivíduo por meio de ampla convivência familiar e comunitária». O modelo traçado dificilmente encontrará eco em algum projeto de lei.

Na ADI 4874 (DJe 1/2/2019), o confronto do princípio da liberdade de iniciativa com o dever constitucional do Estado de proteção à saúde levou o Tribunal a considerar legítima a proibição de fabricação, importação e comercialização, no Brasil, de fumígenos derivados do tabaco (cigarros) que contenham substâncias que aumentem a sua atratividade, como sabor e odor. Foi dito que «o risco associado ao consumo do tabaco justifica a sujeição do seu mercado a intensa regulação sanitária, tendo em vista o interesse público na proteção e na promoção da saúde». A proibição foi estabelecida por agência sanitária e o Tribunal não enxergou falta de razoabilidade na interpretação que a agência fizera das suas competências a partir dos princípios com que a legislação traçou o seu campo de atuação. A Corte adotou expressamente a conhecida doutrina americana resultante do caso Chevron

O acórdão aludiu à «deferência da jurisdição constitucional à interpretação empreendida pelo ente administrativo acerca do diploma definidor das suas próprias competências e atribuições, desde que a solução a que chegou a agência seja devidamente fundamentada e tenha lastro em uma interpretação da lei razoável e compatível com a Constituição. Aplicação da doutrina da deferência administrativa (Chevron U.S.A. v. Natural Res. Def. Council)».

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Em função da liberdade religiosa e da proteção de segmentos religiosos minoritários, o Tribunal admitiu a legitimidade de norma estadual que garantia o sacrifício de animais em cultos religiosos (RE 494.601 (DJe 19.11.2019).

No setor dos direitos sociais, o Tribunal ressaltou que a proteção à maternidade, expressa no art. 6º da Constituição da República como direito fundamental, é irrenunciável. Daí a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos de lei trabalhista que sujeitavam o afastamento da mulher grávida ou lactante de atividades insalubres à apresentação, por ela, de atestado de saúde. Proclamou-se que «a proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido» (ADI 5.938, DJe 23.9.2019).

Embora o STF haja admitido (RE 407.688, DJ de 6/10/06) a penhora de imóvel em que o fiador mora, para pagamento de dívida de devedor principal relativa a locação de imóvel residencial, no RE 605.709 (DJe 18.2.2019), a invocação do princípio da dignidade da pessoa humana, da proteção da família, da promoção do direito à moradia e, ainda, com apelo ao postulado da proporcionalidade, entendeu-se insuscetível de execução o imóvel em que vive a família do fiador para satisfazer obrigação do devedor principal em contrato de locação de imóvel comercial.

De grande importância e repercussão foi o julgamento da ADPF 444 e da ADPF 395 (DJe 22.5.2019), em que o Supremo Tribunal Federal afirmou que o Código de Processo Penal (anterior à Constituição de 1998) não fora recebido pela atual ordem constitucional, no ponto em que admitia a condução coercitiva de acusado ou réu para interrogatório. Viu-se aí «uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção», não contemplada nas hipóteses constitucionalmente previstas de restrição desse direito. Apontou-se que o direito ao silêncio, reconhecido ao réu e ao investigado constitui obstáculo para a condução coercitiva para que seja interrogado. A dignidade da pessoa humana estaria afrontada, porque, «na hipótese de condução coercitiva, fica evidente que o investigado, ou réu, é conduzido eminentemente para demonstrar a sua submissão à força. Não há uma finalidade instrutória clara, na medida em que o arguido não é obrigado a declarar nem mesmo a estar presente ao interrogatório». A fórmula da redução do homem a objeto de processo estatal foi empregada para caracterizar a tese de desrespeito à dignidade humana.

V. CONCLUSÃO[Subir]

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em 2019 prossegue na linha dos últimos anos, revelando intensa preocupação com a efetividade de direitos sociais e individuais. No plano da estrutura federalista, nota-se tendência oscilante em interpretações que ora favorecemora são mais comedidas na extensão de poderes legislativos dos Estados-membros. Revela-se nítida, afinal, a propensão da Corte por resguardar e reforçar a sua competência no campo da jurisdição constitucional, buscando a maior efetividade das suas decisões. Ressalta-se aqui a importância dada à premissa de que a Constituição entronizou o Supremo Tribunal na função de seu guardião.

NOTAS[Subir]

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Doutor em Direito (Universidade de Brasília). Professor do Programa de Mestrado/Doutorado em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP. Membro do Ministério Público Federal com atuação perante o Supremo Tribunal Federal. Atual Diretor-Geral da Escola Superior do Ministério Público da União.

[2]

A mero titulo exemplificativo: «Os Estados-membros e o Distrito Federal não podem, mediante legislação autônoma, agindo ultra vires, transgredir a legislação fundamental ou de princípios que a União Federal fez editar no desempenho legítimo de sua competência constitucional, e de cujo exercício deriva o poder de fixar, validamente, diretrizes e bases gerais pertinentes a determinada matéria […]. – É inconstitucional lei complementar estadual, que […] não observa as normas de caráter geral, institutivas da legislação fundamental ou de princípios, prévia e validamente estipuladas em lei complementar nacional que a União Federal fez editar com apoio no legítimo exercício de sua competência concorrente» (ADI 2903/PB, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 01.12.2005, DJe 18.9.2008).

«[…] A Constituição de 1988 contemplou, em seu artigo 24, a técnica da competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros especificá-las. O descumprimento desse comando constitucional conduz à usurpação de competência, que tanto pode ser da União —quando extrapola os poderes que lhe foram deferidos para estabelecer preceitos gerais— quanto dos Estados-membros —quando, existindo ato legislativo genérico, editam lei invasora. […]» (ADI 1.245/RS, Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, julgamento em 06.4.2005, DJ 26.8.2005.

[3]

Não se admite ao Estado-membro «inaugurar uma regulamentação paralela e explicitamente contraposta à legislação federal vigente» (ADI 3.645/PR, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgamento em 31.5.2006, DJ 01.9.2006).

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O acórdão aludiu à «deferência da jurisdição constitucional à interpretação empreendida pelo ente administrativo acerca do diploma definidor das suas próprias competências e atribuições, desde que a solução a que chegou a agência seja devidamente fundamentada e tenha lastro em uma interpretação da lei razoável e compatível com a Constituição. Aplicação da doutrina da deferência administrativa (Chevron U.S.A. v. Natural Res. Def. Council)».