Cómo citar este artículo / Citation: Gonet Branco, P. (2024). O Supremo Tribunal Federal Brasileiro em 2023. Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, 28(2), 631-‍640. doi: https://doi.org/10.18042/cepc/aijc.28.22

I. CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS EXTRAORDINÁRIAS[Subir]

Nenhuma resenha sobre a atividade do Supremo Tribunal Federal no ano de 2023 tem como prescindir da notícia do grave evento que marcou o início do ano. No domingo de 8 de janeiro, uma multidão de pessoas, convocada por grupos inconformados com os resultados das eleições presidenciais ocorridas no final de 2022, clamando por golpe militar, conseguiu chegar à praça de Brasília onde se encontram os prédios icnonográficos, sedes dos três Poderes da República. Ali se formou, gerando estarrecimento, um teatro de agressões, ações violentas de tomada e destruição dos edifícios, de suas obras de arte, dos símbolos do Estado Constitucional. A devastação era acompanhada de alaridos dos que afirmavam que o povo estava «tomando o poder». As hostilidades não pouparam a arquitetura de nenhum dos prédios de 1960, patrimônio mundial da humanidade certificado pela UNESCO, em que funcionam os órgãos máximos do Legislativo e do Executivo federais, bem como do Judiciário. Obras de arte de valor inestimável foram esfrangalhadas, documentos históricos, perdidos, salas, incendiadas, maquinários, desmantelados. O Supremo Tribunal Federal foi especialmente visado pela multidão, que custou a ser reprimida pelas forças de segurança que deveriam assegurar a ordem.

O assunto foi tratado como atentado à democracia mediante ação violenta, com intenção de derruimento institucional. Diversas ações penais foram oferecidas e várias julgadas, com decisões formulando penas rigorosas de repúdio ao ato. Na AP 1.060, em 14.9.2023, o Plenário decidiu pela competência originária do STF para a causa, dada a conexão com condutas sob investigação na Corte, focadas em investigados com prerrogativa de foro. Estabeleceu-se, ainda, que, em se tratando de «crimes multitudinário (de multidão ou de autoria coletiva), todos os agentes respondem pelos resultados lesivos aos bens jurídicos». Ficou assentado, também, que «é possível o concurso material pela prática dos crimes de abolição violente do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado», ao argumento que são delitos autônomos e que pressupõem ânimo distinto.

Em um mês, o STF pôde se recompor fisicamente e o início do ano judiciário, em 1º de fevereiro, ocorreu como de hábito. Ao longo de 2023, vários foram os acórdãos relevantes proferidos. Cabe uma breve resenha que possa ser de utilidade para o interessado em direito comparado.

II. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL E SISTEMA PRISIONAL[Subir]

Em 4 de outubro de 2023, a um dia de a Constituição completar 35 anos de vigência, foi julgada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 347, em que, por meio de controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos e concretos, além de omissões dos Poderes Públicos, se debateu se haveria uma situação caótica em termos de sistema constitucional, que exigisse uma atuação coordenada pelo STF dos Poderes Públicos, com vistas a corrigir violações massivas de preceitos fundamentais da Constituição. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a realidade desse quadro de múltiplas e conexas discrepâncias com obrigações do Estado em prejuízo de exigências elementares de respeito à dignidade dos presidiários. Declarou o que, na Colômbia, se chama de estado de coisas inconstitucional, adotando a sugestiva expressão pela primeira vez.

Apurou-se o desrespeito a direitos básicos dos presos como os inerentes à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho.

Afirmou-se que o ordenamento positivo regula as condições de cumprimento de pena e que cumprir essas regras «não é uma questão política, mas uma questão jurídica, a ser assegurada pelo STF».

Havendo sido detectado problema de ordem estrutural, com causas diversificadas, a Corte entendeu que a solução para esse estado de coisas inconstitucional exige medidas de superação complexas, dispostas em planos de ação traçados pelos órgãos encarregados de promover a execução penal. O Tribunal deliberou:

Diante disso, União, Estados e Distrito Federal, em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), deverão elaborar planos a serem submetidos à homologação do Supremo Tribunal Federal, nos prazos e observadas as diretrizes e finalidades expostas no presente voto, especialmente voltados para o controle da superlotação carcerária, da má qualidade das vagas existentes e da entrada e saída dos presos.

O CNJ realizará estudo e regulará a criação de número de varas de execução penal proporcional ao número de varas criminais e ao quantitativo de presos.

Tais planos devem tratar dos três problemas principais do sistema, a saber: (1) vagas insuficientes e de má qualidade, (2) entrada excessiva de presos (em casos em que a prisão não é necessária) e (3) saída atrasada de presos (com cumprimento da pena por tempo maior do que a condenação). Os planos deverão ser aprovados pelo STF e terão sua execução monitorada pelo CNJ, também com a supervisão do STF.

III. DIREITO DE PROPRIEDADE E DESAPROPRIAÇÃO. MODO DE REPARAÇÃO PECUNIÁRIA[Subir]

Em 19.10.2023, foi julgado o Recurso Extraordinário (RE) 922144, que resolveu tema de importância para a configuração do direito de propriedade em face de pretensão desapropriatória do Estado.

A Constituição permite que os Poderes Públicos efetuem a desapropriação de imóveis para finalidades determinadas pela Constituição. O constituinte estipula que o proprietário tem o direito de receber «justa e prévia indenização em dinheiro» (art. 5.º, XXIV).

Assim, se algum ente da Federação procede à desapropriação de um imóvel, deve depositar na conta do particular o valor de mercado do bem durante o processo aberto para a obtenção do imóvel e antes de se imitir na posse. Ocorre que, não raro, há divergência entre o Estado e o particular sobre qual o justo valor devido. Nesses casos, o Estado deposita a quantia que estima exata, assume a sua propriedade, ensejando que se discuta em juízo a complementação pretendida pelo ex-proprietário. Se se verificar que o Poder Público ofereceu menos do que o devido, contabiliza-se a diferença que deverá ser entregue ao particular.

O problema é que as quantias que o Estado deve despender em favor de terceiros por força de decisão judicial são pagas normalmente, também por força de norma da Constituição, por meio de mecanismo com o nome de «precatório». Não há um pagamento imediato. Depois de a decisão judicial haver transitado em julgado, o Judiciário requer que o Executivo inclua a verba relativa ao pagamento imposto na lei orçamentária do ano subsequente. Esses precatórios são postos, então, numa fila para serem satisfeitos. Se União costuma estar em dia com os seus pagamentos, há casos de entidades subnacionais atrasarem o saldo desses débitos por anos e mesmo décadas. A questão proposta ao Supremo Tribunal Federal consistia em saber como conciliar o método de pagamento por precatório —ainda mais quando a realidade aponta costumeiros atrasos por parte de Estados-membros e Municípios— com o dispositivo assegurador de direito fundamental, relativo ao pagamento prévio e em dinheiro da quantia total atinente ao imóvel desapropriado.

O Tribunal decidiu que o pagamento da complementação era devido por via de precatório, seguindo ordem cronológica da apresentação desses créditos. Isso seria necessário para organizar as finanças públicas. O direito fundamental de pagamento prévio e em dinheiro, já teria sido substancialmente satisfeito quando o Poder desapropriante estipulou o que parecia, a seu ver, devido e entregou ao desapropriado antes da imissão na posse. A existência de erro de cálculo exigente de complementação constitui condenação judicial que deve ser satisfeita nos temos próprios para esse título de dívida, i. e., por precatório.

Com os olhos, porém, voltados para a realidade prática, o Supremo Tribunal percebeu que os atrasos no cumprimento dos precatórios tendem a lesar o antigo proprietário no seu direito a uma justa indenização. Determinou, em consequência, que no caso dos entes públicos que não venham saldando em bom tempo os seus débitos judiciais em geral, o pagamento da complementação deveria ser efetuado de modo direto, na conta do particular, com dispensa do mecanismo do precatório. Ao fim do julgamento, deduziu-se esta tese:

No caso de necessidade de complementação da indenização, ao final do processo expropriatório, deverá o pagamento ser feito mediante depósito judicial direto se o Poder Público não estiver em dia com os precatórios.

IV. ELEIÇÕES E TRANSPORTE GRATUITO DE ELEITORES[Subir]

No Brasil, o eleitor é obrigado a votar, sujeitando-se a limitações de direitos se não comparecer ao pleito. As eleições acontecem aos domingos, dia de descanso, para facilitar que o eleitor se dirija às repartições eleitorais a fim de cumprir o direito/dever cívico.

Ocorre que, aos domingos, há redução de frequência dos transportes públicos, com supressão, por vezes também, de rotas habituais. Além disso, como o transporte público no país não é gratuito, o gasto extra no domingo da eleição pode impactar negativamente na disponibilidade monetária dos cidadãos carentes.

O Supremo Tribunal, ao julgar a ADPF 1013, na sessão de 18.10.2023, adotou a premissa de que o Estado tem o dever de assegurar que todas as pessoas possam participar do processo eleitoral. Não haver providência legislativa que garanta o transporte gratuito e regular nos dias de eleições foi qualificado como infringência à Constituição, por omissão. O Tribunal fez um apelo ao Congresso Nacional para que disciplinasse a questão; antecipou, entretanto, que ante a inércia do Poder Legislativo, a partir das eleições já marcadas para 2024, o transporte haveria de ser gratuito e com frequências e linhas usuais dos dias de semana. Afinal, constou do acórdão:

O Estado tem o dever de adotar medidas que concretizem os direitos previstos na ordem constitucional, de modo que a falha em assegurar o exercício do direito ao voto é violadora da Constituição. Numa democracia, as eleições devem contar com a participação do maior número de eleitores e transcorrer de forma íntegra, proba e republicana. A medida pretendida promove dois valores relevantes: a igualdade de participação, proporcionando acesso ao voto por parte significativa dos eleitores; e o combate a ilegalidades, evitando que o transporte sirva como instrumento de interferência no resultado eleitoral.

O Tribunal ainda buscou preservar a competência primária do Legislativo para dispor a respeito, daí o apelo que formulou ao legislador, sem embargo de já impor medidas práticas se a omissão persistir:

De um lado, a arena preferencial para instituição da providência requerida nesta ação é o Parlamento, onde as decisões políticas fundamentais devem ser tomadas em uma democracia. De outro, a ausência de normatização da matéria compromete a plena efetividade dos direitos políticos, o que legitima a atuação do Supremo Tribunal Federal. Nesse cenário, justifica-se a solução que reconheça a preferência do Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, garanta o cumprimento da Constituição. Inclusive, já existem diversos projetos de lei em tramitação que equacionam adequadamente o problema.

Pedido julgado parcialmente procedente, para reconhecer a existência de omissão inconstitucional decorrente da ausência de política de gratuidade do transporte público em dias de eleições, com apelo ao Congresso Nacional para que edite lei regulamentadora da matéria. Caso não editada a lei, a partir das eleições municipais de 2024, nos dias das eleições, o transporte coletivo urbano municipal e intermunicipal, inclusive o metropolitano, deve ser ofertado de forma gratuita e com frequência compatível àquela dos dias úteis.

A Corte formulou, afinal, esta tese:

É inconstitucional a omissão do Poder Público em ofertar, nas zonas urbanas em dias das eleições, transporte público coletivo de forma gratuita e em frequência compatível com aquela praticada em dias úteis.

V. GRAVE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS E COMPETÊNCIA JURISDICIONAL[Subir]

Crimes que envolvem diretamente bens da União são julgados pela Justiça Federal; os demais, em regra, pela Justiça mantida pelos Estados-membros. Neste último caso, as investigações ficam também a cargo de autoridades policiais dos Estados-membros e a acusação, do Ministério Público de cada unidade federada. Homicídios, torturas, sequestros e cárceres privados, assim, em linha de princípio, ficam a cargo das autoridades estaduais.

Em 2004, uma Emenda à Constituição (n. 45) criou uma hipótese de competência da Justiça Federal, mantida e organizada pela União, que se instauraria por meio de deslocamento do caso originariamente submetido à Justiça estadual. Em se tratando de processo ou investigação envolvendo grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República recebeu a competência para postular perante a mais alta Corte do país em matéria infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça, um incidente de deslocamento de competência (IDC)

A justificativa para a criação do incidente está no fato de incumbir à União, de que a Justiça Federal faz parte, atuar pela República Federativa no plano internacional. Além disso, o combate a tais crimes se inclui no domínio das obrigações assumidas pelo Brasil em tratados de direitos humanos. De toda sorte, o deslocamento de competência depende de o Estado-membro não demonstrar eficiência na ação persecutória, como, por exemplo, em havendo inércia do Judiciário local ou do Ministério Público estadual.

Nas AADDI 3.486 e 3.493, julgadas em 11 de setembro de 2023, o Plenário do STF afirmou a constitucionalidade da criação do incidente e afirmou que a sua operabilidade é imediata, não dependendo de disciplina legislativa.

VI. DEMARCAÇÃO DE TERRAS TRADICIONALMENTE INDÍGENAS – MOMENTO DA OCUPAÇÃO PARA DECLARAÇÃO DO DIREITO ORIGINÁRIO ÀS TERRAS. RE 1.017.365, JULGADA EM 27.9.2023[Subir]

O Direito brasileiro concebeu o instituto da demarcação de terras indígenas para assentar características peculiares ao território ocupado tradicionalmente por comunidades nativas. A posse protegida, como elucidado no precedente de 27 de setembro, consiste «na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições», nos termos do § 1º do artigo 231 da Constituição. Essas terras são qualificadas como «terras públicas», sendo inalienáveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis; «são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes» (Constituição, art. 231, § 2º). No mais, cabe à União proceder à demarcação dessas terras, para tanto deve-se valer de laudo antropológico que demonstre a ocupação por uma comunidade indígena devidamente identificada.

Resolveu-se, em 2023, a importante questão de saber se essa ocupação deveria estar em curso ou em disputa no momento da promulgação da Constituição de 1988 (5.10.1988) ou se terras que assim não se apresentavam oficialmente, naquela data, se incluiriam no conceito. O Tribunal deliberou que, se havia ocupação tradicional indígena em 1988, ou se, na data, havia um esbulho renitente, as terras deveriam ser revertidas imediatamente à qualificação de terras públicas, cabendo, nessa hipótese, indenização ao particular pelas benfeitorias úteis ou necessárias. Mas, se essas duas condições fáticas não estivessem presentes na data da promulgação da Constituição de 1988, entendeu-se que, ainda assim, poderiam ser afirmadas áreas de ocupação tradicional; nesse caso, porém, os negócios jurídicos e atos oficiais que geraram posse de boa-fe por parte de particular não seriam inválidos e a reversão das terras à condição especial haveria de ser precedida de pagamento de justa indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, além do pagamento do valor da terra —neste último caso, se inviável o reassentamento do antigo titular do domínio. Afirmou-se «garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso».

Em acréscimo, foi admitido que o procedimento demarcatório já concluído fosse objeto de pedido de revisão, desde que comprovado «grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena». O prazo para a formulação do pedido esgota-se quando completados cinco anos da demarcação que se critica.

Por fim, ficou estabelecido que «os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI[2] e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei».

VII. INDULTO A PESSOA ESPECÍFICA (GRAÇA) – COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA – LIMITES MATERIAIS.[Subir]

Caso de repercussão jurídica e política foi decidido em 10 de maio de 2023, quando do julgamento conjunto das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 964, 965, 966 e 967. Estava em questão saber se era legítima a concessão de graça a deputado, aliado do então Presidente da República, condenado a pena de mais de 8 anos de reclusão pelo Supremo Tribunal Federal.

O Tribunal reiterou a jurisprudência de ser plausível a arguição de descumprimento de preceito fundamental, meio de controle constitucional abstrato e concentrado no STF, para impugnar atos de efeitos concretos, desde que haja a necessidade de tutelar «direitos fundamentais ou de interesses políticos e jurídicos socialmente relevantes».

Identificou-se na graça concedida o exercício do poder de perdão do Presidente da República, que significa um contrapeso ao Judiciário, mas se assinalou que não se trata de um poder absoluto, por isso que deve se inserir no campo de limites gerais que a Constituição impõe a todo ato do Estado, mesmo ato político ou de governo, em que há discricionariedade para o autor apreciar a conveniência e a sua oportunidade. Nessas circunstâncias, afirmou-se possível que o Judiciário realize o controle da legitimidade do ato, no tocante ao requisito da finalidade lídima.

No caso do perdão ao aliado político do Presidente da República da época, o Supremo Tribunal enxergou o propósito incompatível com a igualdade[3], moralidade e impessoalidade[4]. O voto que conduziu o Tribunal apontou:

O Presidente da República subverteu a regra e violou princípios constitucionais, produzindo ato com efeitos inadmissíveis para a ordem jurídico. A concessão de perdão a aliado político pelo simples e singelo vínculo de afinidade político-ideológica não se mostra compatível com os princípios norteadores da Administração Pública, tais como a impessoalidade e a moralidade administrativa. Admitir que o Presidente da República, por supostamente deter competência para edição de indulto, possa criar, a seu entorno, um círculo de virtual imunidade penal é negar a sujeição de todos ao império da lei, permitindo a sobreposição de interesses meramente pessoais e subjetivos aos postulados republicanos e democráticos.

A Corte, afinal, anulou a graça concedida, acrescentando:

Admitir como lícito que decisões desta Corte possam ser desfeitas ou descumpridas, por mero capricho pessoal ou para atendimento de interesses particulares de membros dos demais Poderes da República, fragiliza a força normativa da Constituição, transgride a sua autoridade suprema e a transforma em mero documento político destituído de normatividade e, portanto, sem qualquer força coercitiva.

VIII. CONCLUSÃO[Subir]

Essas são algumas decisões que marcaram o ano de 2023, resolvendo várias questões de elevada conotação jurídico-política, suscitadas no ano anterior, o último antes de iniciada a atual legislatura e de investido no seu mandato o atual Presidente da República.

NOTAS[Subir]

[1]

Doutor em Direito (UnB), Procurador-Geral da República desde dezembro de 2023. Professor de graduação, mestrado e doutorado do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - IDP.

[2]

Funai é a sigla da Fundação Nacional do Índio, autarquia federal dedicada à proteção dos interesses indígenas.

[3]

A propósito da igualdade, a relatora do acórdão disse: «Existindo correlação lógico-jurídica entre o fator de discrímen e os interesses constitucionais perseguidos, não há falar em violação do princípio da igualdade. Há consenso doutrinário e jurisprudencial quanto à possibilidade de desigualações, desde que haja, sublinho, fator discriminatório lícito e que o tratamento diverso encontre fundamento em outros valores constitucionais (ADI 3.918/SE, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 16.5.2022, DJe 09.6.2022; RE 640.905/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 15.12.2016, DJe 01.02.2018)».

[4]

Sobre a impessoalidade, lê-se no acórdão: «A impessoalidade impõe que o Poder Público atue (i) sem externar predileções ou aversões, simpatias ou antipatias pessoais, (ii) sem objetivar represálias ou vinganças, tampouco favorecimentos ou benefícios desvinculados de razões de interesse público. A vontade pessoal do agente público deve ser irrelevante, o fim almejado pelo Estado sempre deve ser o interesse público».